sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

Reflexões sobre a veiculação de certas peças publicitárias

Prof. Diógenes Afonso

A veiculação publicitária de certos produtos para o público em geral ou para um público específico, como é o caso da publicidade infantil, tem sido alvo de intensas discussões e debates envolvendo diversos segmentos da sociedade civil: pais, educadores, empresários, psicólogos, publicitários, agentes públicos etc. 

Quando se fala em restringir, na atividade publicitária, a veiculação de determinados produtos, há uma grita ensurdecedora de veículos de comunicação, empresas e agências de publicidade, clamando contra o que chamam de atentado às manifestações do direito de informação e do direito de expressão e, por conseguinte, à democracia. A questão que se impõe é: 
  1. por ser um ato comercial, a publicização de certas peças [sobretudo daquelas em que o produto contenha teor alcoólico ou seja energético] atenderia ao que se chama liberdade de expressão e de manifestação do pensamento? 
  2. até que ponto a forma como certos produtos são apresentados ao público, com seus slogans e seus textos recheados de ambiguidades [com forte base conotativa], beneficiaria a sociedade como um todo? 
  3. os argumentos do setor contra toda e qualquer tentativa de restrição a certas veiculações publicitárias não estariam ligados, pura simplesmente, à conquista e à preservação do lucros gerados, sem qualquer preocupação com as consequências danosas para a própria sociedade?
Confesso que são perguntas que me faço até com certa ingenuidade. Contudo, essa ingenuidade não é pintada pelas tintas da inocência. Ao contrário, ela me permite antever, a partir das reflexões interrogativas expostas, os efeitos terríveis e, muitas vezes, irreparáveis para toda a sociedade e para aquele que se deixa iludir por alguns chamamentos publicitários.

Tudo o que se disse acima teve, como elemento gerador, a peça publicitária de um energético que está sendo veiculada na barra lateral de minha caixa de e-mail. Vejamo-la:


O burn [do inglês, queimar] é um energético frequentemente associado à mistura com bebidas dos mais variados teores alcoólicos. "A noite é imprevisível." e todos sabemos [sabemos?]. "Brin[car] com fogo" é uma expressão que tem uma forte conotação com o perigo. Daí que, pelo jogo de palavras e pela intenção comunicativa, ingerir certa bebida alcoólica com burn levará o "degustador" a, numa noite imprevisível, brincar com o fogo... 

O público, com idade entre 25 e 39 anos [para confirmar esta precisão etária, nem menos, nem mais - que fique claro! (rs) - bastar clicar AQUI.], após a ingestão de burn em coquetéis e coisas e tais, estaria pronto para brincar com o fogo... o perigo. E, aí, é que mora o perigo... o perigo de, por exemplo:
  1. brincar com o fogo da intolerância, espancando, na calada da noite, indivíduos que não pertençam à classe social do consumidor de burn, não comunguem com a opção sexual do consumidor de burn;
  2. a partir de uma educação doméstica problemática [pais dão presentes aos filhos por não estarem presentes é um indício dessa "educação"], achar que pode tudo e tudo pode, até dirigir em alta velocidade desrespeitando as mínimas convenções de trânsito e pondo o outro ser social em perigo, não importando se são adultos ou crianças, homens ou mulheres.

Há de se perguntar: então vamos regulamentar, com a lei, o uso da língua a partir de seus mecanismos? Vamos jogar, nas masmorras, o sentido conotativo das palavras, a ambiguidade e a polissemia que elas podem encerrar? Vamos regulamentar o processo criativo? Não, claro que não, porquanto isso jamais será regulamentado enquanto houver necessidade de se buscarem formas de expressão as mais variadas possíveis. 

O que se coloca é: seria eticamente aceitável, numa democracia, que setores da sociedade, como certos publicitários, estimulem, por meio dos mecanismos oferecidos pela língua, a quebra de civilidade? Incentivem o desrespeito, contaminando os limites estabelecidos também democraticamente? Seria eticamente aceitável que a forma como se veicula um determinado produto construa no consumidor a ideia de que ele é dono de si e a sociedade deva estar submetida a seus caprichos antissociais? 

Com a palavra os que fazem da publicidade seu instrumento de comunicação... E seu ganha pão.

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