terça-feira, 31 de maio de 2011

Por uma vida melhor: o que fere a dignidade humana não é o uso de uma variante linguística

Em relação ao que foi divulgado pelo setor de Comunicação Social da DPGU e reproduzido na mídia [leia abaixo]:

Pergunto-me: Onde estão as "incorreções" e as "informações confusas" do ponto de vista linguístico? Teria sido a obra lida pela ótica da ciência linguística? Teria sido notado que, lá na obra, não se propõe o ensino "errado" da língua, mas uma reflexão sobre o falar e o escrever genuíno da clientela a que se destina o livro e mostrar-lhe que há uma outra forma privilegiada e aceita como "norma padrão"? Ao que parece, nem leram, nem notaram... Nem refletiram.

O que impede a inclusão social é não conceber que existem outras formas de comunicação e expressão linguística numa variante diversa da dita padrão e que essa variante [com os "desvios" que contrariam a norma padrão] tem de ser respeitada a partir de contextos específicos. Não considerar isso é aprofundar o isolamento dos ditos "analfabetos e iletrados" e, assim, excluí-los socialmente.

Do ponto de vista linguístico, equivocada é a premissa de que haja o "errado" e o "certo" numa língua viva.

Dirão: mas não se ensina linguística na escola. Direi: ensina-se, sim. Basta ver a aplicação das diversas contribuições dessa ciência e de outras afins para o ensino da língua materna. 

Pergunto, ainda, como o respeito ao modo de falar de determinadas pessoas e de sua cultura linguística, por assim dizer, pode ferir a dignidade delas? 

O que fere a dignidade é a falta de atenção à educação. O descaso com que governantes têm tratado a educação deveria mover ajuizamento de ACP para que eles cumpram esse item constitucional [lembra-se de que educação é um direito de todos?]. O salário indigno recebido por professores é que deveria mover ajuizamento de ACP para que esta nobre profissão e seus profissionais sejam respeitados e não aviltados como tem ocorrido sempre.

Por fim e de uma vez por todas, ninguém está propondo o fim do ensino normativo da língua portuguesa em consonância com o dito padrão culto. Aliás, o próprio termo "culto" já insinua uma certa exclusão, não é mesmo?!?!

Se o ensino simples da norma padrão - como muitos defendem de forma encarniçada -, fizesse com que o aluno se expressasse "com a devida eloquência", não teríamos tantos medalhões escrevendo e falando de forma desconexa e incoerente... Mái dêixemu isso pra lá...




Brasília, 27/05/2011 - A Defensoria Pública da União no Distrito Federal (DPU/DF), por meio do Ofício de Direitos Humanos e Tutela Coletiva, ajuizou Ação Civil Pública (ACP) para que seja deferida liminar para determinar à União Federal, por meio do Ministério da Educação (MEC), que promova a retirada de circulação dos cerca de 485 mil exemplares do livro de língua portuguesa Por uma Vida Melhor, da Coleção Viver, Aprender (Editora Global), de autoria de Heloísa Ramos, em parceria com outros autores.

O conteúdo do livro foi assunto dos jornais nas últimas semanas por considerar válido o uso da língua popular, mesmo que com erros gramaticais. Para o Defensor Público Federal Ricardo Salviano, autor da ação, as incorreções e as informações confusas presentes no material didático podem tornar-se um entrave para o pleno desenvolvimento dos estudantes, impedindo a inclusão social, o que fere o princípio da dignidade da pessoa humana. 

Na avaliação do Defensor, a atuação da DPU se justifica devido à metodologia utilizada pela autora do livro consistente no emprego da linguagem falada desprovida do respeito à norma culta. “Não se pode partir da premissa de que se deve permitir que o aluno fale errado para ensiná-lo a escrever de forma correta. A retórica da argumentação é ilógica”, explica.

Para Salviano, a linguagem informal existe e é importante que os alunos tenham consciência disso, mas o uso da norma culta deve sempre prevalecer, de maneira que o professor deve instruir o aluno a se expressar com a devida eloquência.


Na seção Brasil, do Jornal do Commercio [31/05/2011 - impresso], pode ainda se ler: 

Para o defensor público federal Ricardo Salviano, questões de sociolinguística não devem ser discutidas dentro da sala de aula. "Escola é lugar onde se dever ensinar a norma culta. Se você diz que falar errado é aceitável, está prestando um desserviço à sociedade", critica Salviano.

sábado, 28 de maio de 2011

ZÉ MÁRIO PARA REITOR DE UM IFPE LIVRE!

quinta-feira, 26 de maio de 2011

O dicionário das empregadas domésticas

Por Urariano Motta

Nos últimos dias, na gente mais educada causou espécie, para não dizer causou urticária, o livro didático  “Por uma vida melhor”, que ensinaria a falar errado. No entanto, ninguém se levantou, nem perdeu a paz de espírito, quando um ilustre desembargador, faz alguns anos,  achou por bem escrever um dicionário para as empregadas domésticas. É fato.

Atropelos e apelos de títulos não faltaram ao ilustre dicionarista. Erudito em Direito Civil, filiado à Associação Paulista dos Magistrados, escritor de verve, ele assim gracejou em artigo no  jornal dos seus pares:

“Ele  ligou para sua  própria  casa. A  empregada era nova. Ele não a conhecia. Sua mulher, a Esther, digo (ou ele  diz), dona Esther, tinha  acabado  de contratar. A moça era do norte. De Garanhuns. Nada contra, mas....sabe como é. Nós, brasileiros, sabemos! O patrão morava num  sobrado. O telefone da residência ficava num nicho, embaixo da escada. No décimo segundo toque a Adamacena, a tal da empregada, atendeu: ‘Alonso!’ Na dúvida, o dono da casa perguntou: ‘De  onde falam?’ Ao que a Adamacena respondeu: ‘Debaixo da escada!’ Foi aí que ele começou a catalogar as expressões da serviçal...”

Na continuação do texto, para melhor diálogo com as inferiores, o preclaro e excelso organizou este pequeno dicionário das empregadas, para ser lido pelas classes cultas, do  gênero e classe dele no Brasil:

Denduforno - dentro do forno
Dôdistongo -  dor de estômago
Doidimai -  doido demais
Dôsitamu -  dor de estômago
Gáscabô -   o gás acabou
Iscodidente -  escova de ente
Issokipómoiá  - isto aqui pode molhar
Ládoncovim — lá de onde que eu vim
Lidialcom -  litro de álcool
Lidileite -  litro de leite
Mardufigo -  mal do fígado
Mastumate -  massa de tomate
Nossinhora -  nossa senhora
Óikichero -  olha que cheiro
Óiprocevê -  olha pra você ver
Óiuchêro -  olha o cheiro
Oncotô -  onde que eu estou
Onquié -  onde que é
Onquitá - onde está

Etc. etc. etc. poderia ser a leitura geral das “palavras” coligidas pelo senhor dicionarista. Se ele fosse um homem culto de facto, e não um culto de fato, fato da toga que um dia vestiu,  saberia que as diversas falas de uma língua não significam uma superioridade cultural, civilizacional,  de uma fala sobre a outra. Ora, as pessoas que vêm do interior do Nordeste, e é a elas que a sua brincadeira de mau gosto se referiu, os brutos migrantes dos sertões nordestinos carregavam, além da miséria, uma gramática que é uma história da língua. Quando eles dizem “figo”, em lugar de “fígado”, ou “hay”, em lugar de “há”, ou “in riba”, em lugar de “em cima”, ou mesmo “joga no mato”, por “deixa fora, joga fora”, essas palavras, esses modos e conteúdos de fala não nasceram de uma carne, sangue e lugar inferiores.

Esses cortes de sílabas, esse “denduforno” em lugar de “dentro do forno”, esse corte de fonemas na fala de todos os dias, essa aglutinação é um procedimento comum em todas as falas, do Norte ao Sul do mundo, do Leste ao Oeste do planeta, em todas as classes e gentes e tempos. Diz-se até que é uma obediência à lei do menor esforço. Quem é bom de ouvido sabe que a última sílaba de uma palavra em uma frase não se ouve, adivinha-se pelo sentido. Um “Como vai de saúde?”, sai quase como um “Como vai de saú?”. Se os ingleses transformam consoantes de palavras em vogais, bravo, isso é mesmo um fenômeno linguístico. Se os norte-americanos pegam os tês e põem em seu lugar erres, isso só pode mesmo ser inglês moderno. Bravo.

No Brasil, na região que move a economia, quando um paulista insiste em pronunciar “record” à inglesa, mas com erres à brasileira, ou quando pronuncia “meni”, em lugar de “menu”, está apenas no exercício da sua cultura poliglota. Aplausos. Quando ele, no bar, pede um só, mas ainda assim pede “um chopes”, é uma graça. Viva. Mas um “oxente”, um “arretado”, que traem e trazem a marca da fala de nordestinos, desses baianos, desses nortistas, ah, isto só pode mesmo ser uma prova insofismável de subdesenvolvimento.

Isso comentamos à margem, do texto do léxico das empregadas e da grande mídia. Mas o pequeno dicionário para as empregadinhas não sofreu qualquer indignação patriótica, lembramos bem. Faz sentido, enfim. Como dizia Marx, ao lembrar as diferentes traduções de classe, os proletários se embriagam no bar, os burgueses vão ao club.


terça-feira, 24 de maio de 2011

Analisar e opinar. Sem ler

Sírio Possenti - O Estado de S.Paulo

Bateram duro em um livro com base na leitura de apenas uma das páginas de um dos capítulos
Cesse tudo o que a musa antiga canta / que outro valor mais alto se alevanta (...) dai-me uma fúria grande e sonorosa / e não de agreste avena ou frauta ruda / mas de tuba canora e belicosa (Os Lusíadas, Canto I)

O jornalismo nativo teve uma semana infeliz. Ilustres colunistas e afamados comentaristas bateram duro em um livro, com base na leitura de uma das páginas de um dos capítulos. Houve casos em que nem entrevistado nem entrevistador conheciam o teor da página, mas apenas uma nota que estava circulando (meninos, eu ouvi). Nem por isso se abstiveram de "analisar". Só um exemplo, um conselho e uma advertência foram considerados. E dos retalhos se fez uma leitura enviesada. Se fossem submetidos ao PISA, a classificação do país seria pior do que a que tem sido.

Disseram que o MEC distribuiu um livro que ensina a falar errado; que defende o erro; que alimenta o preconceito contra os que falam certo. Mas o que diz o capítulo?

a) que há diferenças entre língua falada e escrita. É só um fato óbvio. Quem não acredita pode ouvir os próprios críticos do livro em suas intervenções, que estão nos sites (não é uma crítica: eles abonaram a constatação do livro);

b) que cada variedade da língua segue regras diferentes das de outra variedade. O que também é óbvio. Qualquer um pode perceber que os livro, as casa, as garrafa seguem uma regra, um padrão. São regulares: plural marcado só no primeiro elemento. Consta-se ouvindo ou olhando, como se constata que tucanos têm bico desproporcional. Ninguém diz que está errado; todos os tucanos têm bico igual, é seu bico regular, seu bico "certo";

c) que há diferenças entre língua falada e escrita, que não se restringem à gramática, mas atingem a organização do texto (um teste é gravar sua fala, e transcrever; quem pensa que fala como escreve leva sustos);

d) que na fala e na escrita há níveis diferentes: não se escreve nem se fala da mesma maneira com amigos e com autoridades (William Bonner acaba de dizer "vamo lá sortiá a próxima cidade". Houve outros dados notáveis nos estúdios: "onde fica as leis da concordância?" e "a língua é onde nos une"...);

e) deve-se aprender as formas cultas da língua: todo o capítulo insiste na tese (é bem conservador!) e todos os exercícios pedem a conversão de formas faladas ou informais em formas escritas e formais.

O que mais se pode querer de um livro didático? Então, por que a celeuma? Tentarei compreender. Foram três as passagens do texto que causaram a reação. O restante não foi comentado.

Uma questão refere-se ao conceito de regra: quem acha que gramática quer dizer gramática normativa toma o conceito de regra como lei e o de lei como ordem: deve-se falar / escrever assim ou assado; as outras formas são erradas. Mas o conceito de regra / lei, nas ciências (em lingüística, no caso), tem outro sentido: refere-se à regularidade (matéria atrai matéria, verbos novos são da primeira conjugação etc.). Os livro segue uma regra. E uma gramática é conjunto de regras, também descritivas.

Outro problema foi responder "pode" à pergunta se se pode dizer os livro. "Pode" significa possibilidade (pode chover), mas também autorização (pode comer buchada). No livro, "pode" está entre possibilidade e autorização. Foi esta a interpretação que gerou as reações. Além disso, comentaristas leram "pode" como "deve". E disseram que o livro ensina errado, que o errado agora é certo (a tese ganhou a defesa de José Sarney!).

A terceira passagem atacada foi a advertência de que quem diz os livro pode ser vítima de preconceito. Achou-se que não há preconceito linguístico. Mas a celeuma mostra que há, e está vivíssimo. Uma prova foi a associação da variedade popular ao risco do fim da comunicação. Li que o português "correto" é efeito da evolução (pobre Darwin!). Ouvi que a escrita (!) separa os homens dos animais!

Esse discurso quer dizer que "eles" não pensam direito. O curioso é que os comentaristas são todos letrados, falam várias línguas. Mas não se dão conta de que um inglês diz THE BOOKS, e que a falta de um plural não constitui problema; que um francês diz LE LIVR(e), para les livres, e que a falta dos "ss" não impede a veiculação do sentido "mais de um".

Mas pior que a negação do preconceito foi a leitura segundo a qual o livro estimula o preconceito contra os que falam ''certo'', discurso digno de Bolsonaro, embora em outro domínio: foi o nobre deputado que entendeu a defesa dos homossexuais como um ataque aos heterossexuais. Um gênio da hermenêutica!

Mas há um problema ainda mais grave do que todos esses. De fato, ele é sua origem. Eles não defendem a gramática. Nossos "intelectuais" não conhecem gramáticas. Nunca as leram inteiras, incluindo as notas e citações, e considerando as discordâncias entre elas (acham que as adjetivas explicativas "vêm" entre vírgulas!). Eles conhecem manuais do tipo "não erre" (da redação etc.), que são úteis (tenho vários, para usar, mas também para rir um pouco) como ferramentas de trabalho em certos ambientes, em especial para defensores da norma culta que não a dominam.

Mas o suprassumo foi a insinuação de que o livro seria a defesa da fala "errada" de Lula. Ora, este tipo de estudo se faz há pelo menos 250 anos, desde as gramáticas históricas. Alguns acharam que estas posições são de esquerda. Não são! Os "esquerdistas" detestam os estudos variacionistas. Consideram-nos funcionalistas, vale dizer, burgueses. Por que defendê-los, então? Porque permitem que os estudos de língua cheguem pelo menos à época baconiana (Bacon é o nome do autor do Novum Organon, um cara do século XVI. Não é toucinho defumado).

SÍRIO POSSENTI É PROFESSOR DO DEPARTAMENTO DE LINGUÍSTICA / INSTITUTO DE ESTUDOS DA LINGUAGEM DA UNICAMP E AUTOR DE QUESTÕES PARA ANALISTAS DE DISCURSO E A LÍNGUA NA MÍDIA (PARÁBOLA)

domingo, 22 de maio de 2011

Poliglotas na própria língua


Dê-me um cigarro

Diz a gramática
Do professor e do aluno
E do mulato sabido
Mas o bom negro e o bom branco
Da Nação Brasileira
Dizem todos os dias
Deixa disso camarada
Me dá um cigarro

[“Pronominais”, Oswald de Andrade]


Quero hoje também, como o fez o Urariano, posicionar-me sobre a notícia de que o MEC teria distribuído um livro didático que estimularia os erros gramaticais. E, preliminarmente, devo dizer que, como professor da língua portuguesa, considero leviana e oportunista a vinculação desse assunto a um mais que suspeito proselitismo político. Quem não sabe do que estou falando, tente localizar a coluna do Merval Pereira no “Globo” do dia 17.05, ou a crônica do Arnaldo Jabor da mesma data, na CBN, ou o editorial do “Globo” do dia 18.05. Fica bem clara a orquestração que pretende, até, promover a aproximação entre esse fato e a forma peculiar de expressão do ex-presidente Lula, sutilmente construindo a tese de que é política do PT, na Educação, a instituição da ignorância gramatical...


Um outro esclarecimento é o de que pauto esse meu texto pelas notas de jornal a respeito da matéria e pelos diversos depoimentos de pessoas que, como eu, provavelmente não tiveram acesso ao livro como um todo, mas tão somente a uma informação deliberadamente descontextualizada. Mesmo assim, arrisco-me a dizer que é perversa a execração pública a que estão submetendo a autora do livro, o que se torna ainda mais lamentável quando tem o apoio de profissionais da área ou especialistas que, penso, deveriam posicionar-se com mais cuidado.


O que está em questão? O conceito de variante linguística, assunto a que toda boa gramática, hoje, dedica pelo menos um capítulo, sem que qualquer uma delas deixe de enfocar como básico o indispensável prestígio à língua-padrão, à norma culta, que jamais deixou de ser objeto maior dos estudos da nossa língua nas escolas.


As variantes linguísticas – variedades que uma língua assume nos planos histórico, geográfico, profissional, situacional ou social -, longe de traduzirem o empobrecimento do idioma, reafirmam sua pujança, seu dinamismo, sua versatilidade. E, nessa unidade na diversidade, todas têm o seu lugar, sem privilégios ou preconceitos. Quando se fala de linguagem “adequada ou inadequada”, e não de “certa ou errada”, está-se querendo vincular a sua produção a uma situação contextual. É o reconhecimento, por exemplo, de que, a um personagem como o Chico Bento, do Maurício de Souza, não se podem atribuir falas da norma culta, que ele não detém. Ou de que Luiz Gonzaga, pela mesma razão, na antológica “Asa Branca”, acaba dizendo “pra mim voltar pro meu sertão”. É a percepção de que – em nome de objetivos expressivos da comunicação – Mariza Monte pode dizer “beija eu”, Roberto Carlos pode misturar “tu” e “você”, atores de novelas de temática “italiana” podem usar uma linguagem macarrônica, ou mesmo os personagens desse terrível “Zorra Total” podem usar um linguajar próprio, não menos terrível, mas adequado aos propósitos...


Há quase 90 anos, Oswald de Andrade, ícone do movimento modernista, produziu o texto que coloquei como epígrafe, no qual, fiel ao ideário dessa escola literária, defendia a prevalência de uma colocação pronominal marcada pelo coloquialismo, não abonada pela gramática, em detrimento do que reza a norma culta. Os modernistas iam mais longe, propugnando pela aproximação entre o texto literário e a fala do povo.


A professora, em seu livro, certamente quis se referir a algo desse gênero. É leviandade, beira a perversidade, imaginar que pretendeu estimular o erro. Julgo, inclusive, indispensável chamar a atenção para o fato de que os exemplos “criticados” no livro situam-se no plano da oralidade, no plano do “poder dizer-se” e não no do “escrever”. Quando a chamada do Globo do dia 18.05 – em sua falsa cruzada educativa – diz que “Haddad defende livro, mas Enem exige norma culta”, é óbvio que está havendo manipulação dos fatos. O Enem exige, sim, a norma culta na redação, produção escrita, e disso não abre mão, nem deve, pois é a modalidade escrita da língua que perpetua a sua expressão-padrão. Mas, na sua prova objetiva, o Enem (como, aliás, a quase totalidade das atuais provas de vestibular) farta-se de propor questões que envolvem o reconhecimento das variantes linguísticas em seus diversos âmbitos, inclusive o mais popular, típico da oralidade. Afinal, todos nós – inclusive eu – utilizamos diariamente, e muito, o linguajar coloquial, popular, em situações de informalidade.


Temos problemas, sim, no estudo do Português, como no ensino de uma forma geral. E eles passam pelo Ministério da Educação e suas políticas. Não têm, porém, nada a ver com variantes linguísticas, assunto em que fico ao lado do mestre Evanildo Bechara – de cuja manifestação, neste momento , estou sentindo falta – quando diz que nós, os brasileiros, devemos, sem preconceitos, “ser poliglotas em nossa própria língua”, entendendo como válidas todas as variantes existentes, desde que adequadas aos contextos em que se produzem.


Nesse assunto, como em muitos, julgo que as notícias e os posicionamentos estão primando pela manipulação e não merecem o meu respeito. E falo como educador, professor de Português e cidadão.


Rodolpho Motta Lima

Advogado formado pela UFRJ-RJ (antiga Universidade de Brasil) e professor de Língua Portuguesa do Rio de Janeiro, formado pela UERJ, com atividade em diversas instituições do Rio de Janeiro. Com militância política nos anos da ditadura, particularmente no movimento estudantil. Funcionário aposentado do Banco do Brasil. Direto da Redação.

sábado, 21 de maio de 2011

Nota oficial da Abralin - Associação Brasileira de Linguística

Em nota oficial, a Abralin defende o posicionamento da linguística frente à questão da dicotomia certo/errado

Língua e Ignorância

O Brasil tem acompanhado a polêmica a respeito do livro Por uma vida melhor, distribuído pelo PNLD do MEC. Diante de posicionamentos virulentos e alguns até histéricos, a ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE LINGUÍSTICA, ABRALIN, vem a público manifestar-se a respeito.

O fato que chamou a atenção foi que os críticos não tiveram sequer o cuidado de analisar o livro mais atentamente. Pautaram-se sempre nas cinco ou seis linhas citadas. O livro acata orientações dos PCN (Parâmetros Curriculares Nacionais) já em andamento há mais de uma década. Outros livros didáticos também englobam a discussão da variação linguística para ressaltar o papel e a importância da norma culta no mundo letrado. Portanto, nunca houve a defesa de que a norma culta não deva ser ensinada. Ao contrário, entende-se que esse é o papel da escola, garantir o domínio da norma para o acesso efetivo aos bens culturais e para o pleno exercício da cidadania. Esta é a única razão que justifica a existência da disciplina de Língua Portuguesa para falantes nativos de português.

A linguística surgiu como ciência há mais de um século. Como qualquer outra ciência, não trabalha com a dicotomia certo/errado. Esse é o posicionamento científico, que permitiu aos linguistas elaborar outras constatações que constituem hoje material essencial para a descrição e explicação de qualquer língua humana.

Uma constatação é o fato de que as línguas mudam no tempo, independentemente do nível de letramento de seus falantes, do avanço econômico e tecnológico ou do poder mais ou menos repressivo das Instituições. Formas linguísticas podem surgir, desaparecer, perder ou ganhar prestígio. Isso sempre foi assim. Muitos dos usos hoje tão cultuados pelos puristas originaram-se do modo de falar de uma forma alegadamente inferior do latim.

Outra constatação é o fato de que as línguas variam num mesmo tempo: qualquer língua apresenta variedades deflagradas por fatores, como diferenças geográficas, sociais, etárias, dentre outras. Por manter um posicionamento científico, a linguística não faz juízos de valor acerca dessas variedades, simplesmente as descreve. No entanto, os lingüistas constatam que essas variedades podem ter maior ou menor prestígio, que está sempre relacionado ao prestígio que têm seus falantes no meio social. Por esse motivo, o desconhecimento da norma de prestígio pode limitar a ascensão social e isso fundamenta o posicionamento da linguística sobre o ensino da língua.

Não há caos linguístico, nenhuma língua já foi ou pode ser corrompida ou assassinada, ou fica ameaçada quando faz empréstimos. Independentemente da variedade que usa, o falante fala segundo regras gramaticais estritas. Os falantes do português brasileiro fazem o plural de "o livro" de duas maneiras: uma formal: os livros; outra informal: os livro. Mas certamente não se ouve "o livros". Assim também, não se pronuncia mais o "r" final de verbos no infinitivo, mas não se deixa de pronunciar (não de forma generalizada, pelo menos) o "r" final de substantivos. Qualquer falante, culto ou não, pode dizer (e diz) "comprá" para "comprar", mas apenas algumas variedades diriam "dô" para "dor". Estas últimas são estigmatizadas socialmente, porque remetem a falantes de baixa extração social. Falamos obedecendo a regras. E a escola precisa ensinar que, apesar de falarmos "comprá" precisamos escrever "comprar". Assim, o trabalho da linguística tem repercussão no ensino.

Por outro lado, entendemos que o ensino de língua materna não tem sido bem sucedido, mas isso não se deve às questões apontadas. Esse tópico demandaria discussão mais profunda, que não cabe aqui.

Por fim, é importante esclarecer que o uso de formas linguísticas de menor prestígio não é indício de ignorância ou de outro atributo que queiramos impingir aos que falam desse ou daquele modo. A ignorância não está ligada às formas de falar ou ao nível de letramento. Aliás, pudemos comprovar isso por meio desse debate que se instaurou em relação ao ensino de língua e à variedade linguística.

Associação Brasileira de Linguística - Diretoria biênio 2009-2011 

terça-feira, 17 de maio de 2011

Depoimento da Professora Amanda Gurgel



Sugestão de Carlos Cassaro, do Boteco de Aeroporto.

Polêmica ou ignorância?

DISCUSSÃO SOBRE LIVRO DIDÁTICO SÓ REVELA IGNORÂNCIA DA GRANDE IMPRENSA

Para surpresa de ninguém, a coisa se repetiu. A grande imprensa brasileira mais uma vez exibiu sua ampla e larga ignorância a respeito do que se faz hoje no mundo acadêmico e no universo da educação no campo do ensino de língua.

Jornalistas desinformados abrem um livro didático, leem metade de meia página e saem falando coisas que depõem sempre muito mais contra eles mesmos do que eles mesmos pensam (se é que pensam nisso, prepotentemente convencidos que são, quase todos, de que detêm o absoluto poder da informação).

Polêmica? Por que polêmica, meus senhores e minhas senhoras? Já faz mais de quinze anos que os livros didáticos de língua portuguesa disponíveis no mercado e avaliados e aprovados pelo Ministério da Educação abordam o tema da variação linguística e do seu tratamento em sala de aula. Não é coisa de petista, fiquem tranquilas senhoras comentaristas políticas da televisão brasileira e seus colegas explanadores do óbvio.

Já no governo FHC, sob a gestão do ministro Paulo Renato, os livros didáticos de português avaliados pelo MEC começavam a abordar os fenômenos da variação linguística, o caráter inevitavelmente heterogêneo de qualquer língua viva falada no mundo, a mudança irreprimível que transformou, tem transformado, transforma e transformará qualquer idioma usado por uma comunidade humana. Somente com uma abordagem assim as alunas e os alunos provenientes das chamadas “classes populares” poderão se reconhecer no material didático e não se sentir alvo de zombaria e preconceito. E, é claro, com a chegada ao magistério de docentes provenientes cada vez mais dessas mesmas “classes populares”, esses mesmos profissionais entenderão que seu modo de falar, e o de seus aprendizes, não é feio, nem errado, nem tosco, é apenas uma língua diferente daquela – devidamente fossilizada e conservada em formol – que a tradição normativa tenta preservar a ferro e fogo, principalmente nos últimos tempos, com a chegada aos novos meios de comunicação de pseudoespecialistas que, amparados em tecnologias inovadoras, tentam vender um peixe gramatiqueiro para lá de podre.

Enquanto não se reconhecer a especificidade do português brasileiro dentro do conjunto de línguas derivadas do português quinhentista transplantados para as colônias, enquanto não se reconhecer que o português brasileiro é uma língua em si, com gramática própria, diferente da do português europeu, teremos de conviver com essas situações no mínimo patéticas.

A principal característica dos discursos marcadamente ideologizados (sejam eles da direita ou da esquerda) é a impossibilidade de ver as coisas em perspectiva contínua, em redes complexas de elementos que se cruzam e entrecruzam, em ciclos constantes. Nesses discursos só existe o preto e o branco, o masculino e o feminino, o mocinho e o bandido, o certo e o errado e por aí vai.

Darwin nunca disse em nenhum lugar de seus escritos que “o homem vem do macaco”. Ele disse, sim, que humanos e demais primatas deviam ter se originado de um ancestral comum. Mas essa visão mais sofisticada não interessava ao fundamentalismo religioso que precisava de um lema distorcido como “o homem vem do macaco” para empreender sua campanha obscurantista, que permanece em voga até hoje (inclusive no discurso da candidata azul disfarçada de verde à presidência da República no ano passado).

Da mesma forma, nenhum linguista sério, brasileiro ou estrangeiro, jamais disse ou escreveu que os estudantes usuários de variedades linguísticas mais distantes das normas urbanas de prestígio deveriam permanecer ali, fechados em sua comunidade, em sua cultura e em sua língua. O que esses profissionais vêm tentando fazer as pessoas entenderem é que defender uma coisa não significa automaticamente combater a outra. Defender o respeito à variedade linguística dos estudantes não significa que não cabe à escola introduzi-los ao mundo da cultura letrada e aos discursos que ela aciona. Cabe à escola ensinar aos alunos o que eles não sabem! Parece óbvio, mas é preciso repetir isso a todo momento.

Não é preciso ensinar nenhum brasileiro a dizer “isso é para mim tomar?”, porque essa regra gramatical (sim, caros leigos, é uma regra gramatical) já faz parte da língua materna de 99% dos nossos compatriotas. O que é preciso ensinar é a forma “isso é para eu tomar?”, porque ela não faz parte da gramática da maioria dos falantes de português brasileiro, mas por ainda servir de arame farpado entre os que falam “certo” e os que falam “errado”, é dever da escola apresentar essa outra regra aos alunos, de modo que eles – se julgarem pertinente, adequado e necessário – possam vir a usá-la TAMBÉM. O problema da ideologia purista é esse também. Seus defensores não conseguem admitir que tanto faz dizer assisti o filme quanto assiti ao filme, que a palavra óculos pode ser usada tanto no singular (o óculos, como dizem 101% dos brasileiros) quanto no plural (os óculos, como dizem dois ou três gatos pingados).

O mais divertido (para mim, pelo menos, talvez por um pouco de masoquismo) é ver os mesmos defensores da suposta “língua certa”, no exato momento em que a defendem, empregar regras linguísticas que a tradição normativa que eles acham que defendem rejeitaria imediatamente. Pois ontem, vendo o Jornal das Dez, da GloboNews, ouvi da boca do sr. Carlos Monforte essa deliciosa pergunta: “Como é que fica então as concordâncias?”. Ora, sr. Monforte, eu lhe devolvo a pergunta: “E as concordâncias, como é que ficam então?

sábado, 14 de maio de 2011

Livro adotado pelo MEC e um certo preconceito linguístico - II

Trecho do Livro Por uma vida melhor

Prof. Diógenes Afonso*

Di vorta à polêmica sobre a adoção, pelo MEC, do Livro Por uma vida melhor [Coleção Viver, Aprender]. 

Há pontos a serem discutidos nessa celeuma toda que fogem ao meramente linguístico. Pode-se, por um lado, perguntar por qual razão a coluna Poder Online resolveu publicar, nove horas depois, matéria em que uma das autoras do citado livro faz a defesa de sua obra. Pode-se, ainda, indagar que tipo de jornalismo é esse que primeiro publica, causa danos com um título inapropriado e incoerente com o próprio corpo da matéria e só depois dá ouvidos a quem foi lançado no olho do furacão de forma injusta. Teria Thaís Arbex faltado com o zelo jornalístico? Teria Thaís, ao titular a matéria, demonstrado pouca habilidade com a adequação vocabular [isso, sim, um dos problemas sérios na produção textual, muito mais do que qualquer "desvio" de concordância verbal]? Ou a jornalista teria usado de má-fé ao fazer o "chamamento" de um matéria que informa, de um modo geral, o contrário do que expõe o título? Aqui não se emite nenhum juízo de valor, embora ele esteja contido em cada indagação. Cabe, apenas, refletir sobre o que se indagou.

Mas vamos à segunda matéria [publicada no mesmo dia 12/05/2011, às 16:08 - aqui] assinada, agora, por uma outra jornalista, Naiara Leão.

O conteúdo publicado dá voz a uma das autoras, e o que se lê é um balde de água gelada no título da matéria de Thaís Arbex [Livro do MEC ensina aluna a falar errado].

Com efeito, Heloísa Ramos [uma das autoras da obra] deixa claro que não pretende promover o ensino das ditas "formas erradas" de expressão e comunicação em língua portuguesa [como contraponto às ditas "formas cultas ou padrões"], mas validar o uso daquelas expressões em contextos de pouca formalidade linguística [aqui me refiro ao que preconiza a norma padrão]:

“Não queremos ensinar errado [Para manter a coerência com a proposta que ela mesma apresenta em um trecho do livro, creio que a professora Heloísa Ramos deveria ter dito: "Não queremos ensinar de forma diversa da norma dita padrão". Usar o termo "errado" apenas abre, por um lado, o fosso em que o "errado" desaba sem piedade e, por outro, contradiz o que a linguística trata como "certo" e "errado" a partir de concretas situações de comunicação - grifo meu], mas deixar claro que cada linguagem é adequada para uma situação. Por exemplo, na hora de estar com os colegas, o estudante fala como prefere, mas quando vai fazer uma apresentação, ele precisa falar com mais formalidade. Só que esse domínio não se dá do dia para a noite, então a escola tem que ter currículo que ensine de forma gradual” [Heloísa Ramos].

Em outro trecho da matéria, é possivel notar que não há intenção de ensinar o aluno a falar errado, como sugeriu Thaís Arbex [primeira matéria sobre o assunto], mas construir ambiências interacionais em que o aluno se sinta contemplado em sua genuína manifestação linguística e, a partir do contato com a outra forma de "dizer" [normatizada pela linguagem dita padrão], perceber que existem formas de comunicação e expressão para contextos diversos. A linguagem socialmente privilegiada deverá ser usada em um determinado contexto, assim como as outras variantes devam ter vida em seus respectivos contextos:

"Ela [Heloísa Ramos] acredita que, ao deixar claro que é tolerada [sic] todo tipo de linguagem, a escola contribui para a socialização e melhor aprendizado do estudante. 'Quem está fora da escola há muito tempo, é quieto, calado e tem medo de falar errado. Então colocamos essa passagem para que ele possa sair da escola com competência ampliada'".

Ademais, não podemos nos esquecer de que os estudos linguísticos, no que concerne ao enfoque dado às variantes linguísticas, pretendem "mostrar" que "O falante deve ser poliglota em sua própria língua", conforme Evanildo Bechara [Se desejar, leia interessante artigo sobre Multiculturalismo e o Ensino de Língua Portuguesa, aqui].

Atire a primeira pedra quem, desses puristas da língua, não se "desvia" da norma dita padrão!... Cantarão eles "Quando chego a casa, nada me consola"? ou preferirá muito mais seguir a regência "não autorizada" [como Caetano Veloso assim procedeu: "Quando chego em casa, nada me consola"] do que o que dita a norma padrão?

Pretendia discutir, também, a posição da linguista Juliana Dias cujo argumento de autoridade é apresentado na matéria. Embora respeite sua forma de ver o ensino da língua [e parece-me que isso deva se estender, para ela, a todas as línguas], assustei-me tanto com o que foi dito que fiquei a me perguntar o que danado ela andou estudando para ser tão inflexível!

Bom, prefiro defender o que diz a doutora e professora da UnB, Viviane Ramalho - invocada também como argumento de autoridade na matéria:

"O ideal seria aprender todas as possibilidades diferentes até mesmo para respeitar o interlocutor que usa outra variedade linguística".

* Graduado em Letras, especialista em linguagem e articulista do Brasil Escola. 

sexta-feira, 13 de maio de 2011

Livro adotado pelo MEC e um certo preconceito linguístico - I

Prof. Diógenes Afonso*

Acerca da polêmica gerada em virtude da adoção, pelo MEC, do livro Por uma vida melhor - da coleção Viver, aprender - [aqui], é preciso tecer algumas considerações preliminares. 

Primeiro, a autora da matéria publicada no IG - Thais Arbex - comete um deslize inicial: o título me parece equivocado, porquanto não é o MEC que usa o livro, mas os docentes e os alunos a que o volume se destina. O MEC aprova, adota e recomenda determinado livro, a partir do Programa Nacional do Livro Didático.

Um segundo aspecto diz respeito ao segmento "ensina aluno a falar errado". A meu ver, Thais Arbex demonstra desconhecer alguns preceitos linguísticos, como os presentes na sociolinguística, largamente defendidos por estudiosos da área. Um desses princípios discute a noção de "certo" e "errado" no uso da língua em função de determinadas situações de comunicação. 

Para linguistas como Marcos Bagno e Luiz Carlos Cagliari, por exemplo, a questão do "certo" e do "errado" é meramente sociocultural e não encontra amparo linguístico. Vejamos o que diz Cagliari em seu livro Alfabetização e linguística [SP, Scipione, 1999]:

“Certo e errado são conceitos pouco honestos que a sociedade usa para marcar os indivíduos e classes sociais pelos modos de falar e para revelar em que consideração os tem... Essa atitude da sociedade revela seus preconceitos, pois marca as diferenças linguísticas com marcas de prestígio ou estigma.”

Deste modo, titular a matéria da forma como se fez só ratifica um preconceito linguístico que precisa ser extirpado, além de não levar em consideração as variantes linguísticas existentes no meio social em que os falantes ou a comunidade linguística exercitam suas diversas formas de comunicação e expressão. A língua é um organismo vivo que não se permite "engessar". 

Quer se dizer com isso que se deva "desviar" do que preceitua a norma dita padrão? Claro que não. É preciso, sim, não perder de vista o fato de a variante de maior prestígio social não ser a única, por um simples motivo: ela nunca será do ponto de vista sociolinguístico.

Voltaremos a apreciar essa polêmica na próxima postagem, a partir do posicionamento da autora do livro didático em questão, Heloísa Ramos. Inté breve.

* Graduado em Letras, especialista em linguagem e articulista do Brasil Escola.

"Não somos irresponsáveis", diz autora de livro com "nós pega"

Uma das autoras do livro didático de língua portuguesa Por uma vida melhor, da coleção Viver, aprender, adotado pelo Ministério da Educação (MEC) para a Educação de Jovens e Adultos (EJA), nega que a obra ensine o aluno a usar a norma popular da língua. Nota da coluna Poder Online publicada na manhã desta quinta-feira mostra que o livro ensina aos alunos que é válido usar expressões, como “nós pega o peixe” ou “os menino pega o peixe” [aqui].

Para a autora Heloisa Ramos, apesar de ter um capítulo dedicado ao uso da norma popular, o livro não está promovendo o ensino dessa maneira de falar e escrever. “Esse capítulo é mais de introdução do que de ensino. Para que ensinar o que todo mundo já sabe?”.


Segundo Heloisa, que é professora aposentada da rede pública de São Paulo e dá cursos de formação para professores, a proposta da obra é que se aceite dentro da sala de aula todo tipo de linguagem, ao invés de reprimir aqueles que usam a linguagem popular.


“Não queremos ensinar errado, mas deixar claro que cada linguagem é adequada para uma situação. Por exemplo, na hora de estar com os colegas, o estudante fala como prefere, mas quando vai fazer uma apresentação, ele precisa falar com mais formalidade. Só que esse domínio não se dá do dia para a noite, então a escola tem que ter currículo que ensine de forma gradual”, diz.


Foto: Reprodução Ampliar
Livro usado na Educação de Jovens Adultos tem capítulo sobre a norma popular da língua

De acordo com a professora, o livro didático adotado pelo MEC para turmas do Ensino de Jovens e Adultos (EJA) foi elaborado por ela e por outros especialistas em língua portuguesa com base nas experiências que tiveram em sala de aula após décadas de ensino. “Nossa coleção é seria, temos formação sólida e não estamos brincando. Não há irresponsabilidade da nossa parte”, afirma.


Ela acredita que, ao deixar claro que é tolerada todo tipo de linguagem, a escola contribui para a socialização e melhor aprendizado do estudante. “Quem está fora da escola há muito tempo, é quieto, calado e tem medo de falar errado. Então colocamos essa passagem para que ele possa sair da escola com competência ampliada”, diz.

Em nota enviada ao iG, o MEC defendeu o uso do livro e afirmou que o papel da escola não só o de ensinar a forma culta da língua, mas também o de combater o preconceito contra os alunos que falam linguagem popular.


Apesar de defender que o livro continue sendo adotado, a autora admite que é preciso que o professores entendam a proposta para não desvirtuar o que ele propõe. O material vai acompanhado de um livro guia ao professor e os parâmetros curriculares do MEC explicam a abordagem variada da língua, mas como os livros são distribuídos para escolas de todo o país, é difícil ter esse controle.


Linguagem popular divide especialistas


A doutora em linguística e professora da Universidade de Brasília (UnB), Viviane Ramalho, vai além da opinião da autora do livro e defende que a linguagem popular seja ensinada abertamente nas escolas. “O ideal seria aprender todas as possibilidades diferentes até mesmo para respeitar o interlocutor que usa outra variedade linguística”, diz.


Para ela, essa seria uma forma da escola se aproximar da realidade dos estudantes. “Há uma exigência da própria sociedade de que o individuo saiba usar a as diversas variedades da língua”.


A linguista Juliana Dias acredita que a escola deva ensinar exclusivamente a norma culta e usar a linguagem popular apenas como exemplo durante as explicações. “O popular não cabe para o ensino. Cabe somente para reflexão, discussão, e até para o combate ao preconceito com as formas mais simples de se falar”.

Veja reprodução de trecho do livro "Por uma vida melhor":



Livro usado pelo MEC ensina aluno a falar errado

Livro didático de língua portuguesa adotado pelo MEC (Ministério da Educação) ensina aluno do ensino fundamental a usar a “norma popular da língua portuguesa”.


O volume Por uma vida melhor, da coleção Viver, aprender, mostra ao aluno que não há necessidade de se seguir a norma culta para a regra da concordância. Os autores usam a frase “os livro ilustrado mais interessante estão emprestado” para exemplificar que, na variedade popular, só “o fato de haver a palavra os (plural) já indica que se trata de mais de um livro”. Em um outro exemplo, os autores mostram que não há nenhum problema em se falar “nós pega o peixe” ou “os menino pega o peixe”.


Ao defender o uso da língua popular, os autores afirmam que as regras da norma culta não levam em consideração a chamada língua viva. E destacam em um dos trechos do livro: “Muita gente diz o que se deve e o que não se deve falar e escrever, tomando as regras estabelecidas para norma culta como padrão de correção de todas as formas lingüísticas”.


E mais: segundo os autores, o estudante pode correr o risco “de ser vítima de preconceito linguístico” caso não use a norma culta. O livro da editora Global foi aprovado pelo MEC por meio do Programa Nacional do Livro Didático.

quarta-feira, 4 de maio de 2011

CNE aprova diretrizes que flexibilizam ensino médio

Foto: Guilherme Lara Campos/Fotoarena

O Conselho Nacional de Educação (CNE) aprovou nesta quarta novas diretrizes para o ensino médio. A resolução vai dar liberdade a escolas e sistemas de ensino para que montem a grade curricular mais interessante aos alunos com ênfase em trabalho, ciência e tecnologia e cultura. Emendas serão feitas ao texto original, mas segundo a assessoria do órgão elas apenas esclarecem pontos e não alteram o conteúdo.

A expectativa é que as novas diretrizes criem diversidade de projetos que atraiam os jovens em instituições públicas e privadas. Uma escola pode ter um projeto político pedagógico que enfatiza música, outra física, outra comunicação e o que mais a equipe achar que a comunidade precisa. “Cada escola ou sistema está liberado para dar mais tempo a uma ou outra área sem se prender a cargas horárias. Tem que ensinar matemática, português e outros conteúdos sim, mas pode ser dentro de um projeto sobre o que for melhor para a comunidade, pode ser uma hora ou 200 horas”, explicou o relator da proposta, José Fernandes de Lima. O texto segue agora para homologação do ministro da Educação, Fernando Haddad e deve ser publicado em algumas semanas.

A flexibilização é uma proposta do conselho debatida há 8 meses e que sugere aprendizado por projetos e uma divisão menos rigorosa de disciplinas. Os Estados – responsáveis por 90% das matrículas nesta etapa – já haviam aprovado o projeto apresentado em janeiro. Em São Paulo, o secretário-adjunto, João Cardoso Palma, disse que é “muito favorável” ao agrupamento de disciplinas.

O ensino médio tem os piores indicadores de aprendizado e conclusão da educação brasileira: apenas metade dos matriculados conclui os estudos e 10% aprende o que seria o mínimo adequado segundo as expectativas vigentes.

Aprovadas as diretrizes, novas expectativas de aprendizagem devem ser produzidas menos baseadas em conteúdos muito específicos. Será promovido um debate em todos os Estados para formular quais devem ser as bases mínimas esperadas.

Mais tempo

Um dia antes, a Comissão de Educação do Senado aprovou o projeto de lei aumenta em 20% o tempo de aula anual em todas as etapas, inclusive no ensino médio. As novas diretrizes apoiam esta ampliação e sugerem que parte das horas a mais seja de aulas fora da sala de aula.

Ensino técnico

Na semana passada, um programa de ampliação de vagas em escolas técnicas por meio de financiamento e bolsas, o Pronatec, foi lançado pelo ministro e a presidenta Dilma Rousseff. Apesar de reconhecer a importância do preparo para o mercado de trabalho, educadores questionaram que essa não era a solução para a etapa, que precisava de um currículo mais variado.

domingo, 1 de maio de 2011

A etimologia veio trabalhar

No Dia do Trabalhador (outros preferem Dia do Trabalho), a etimologia acordou cedo e, mesmo sendo feriado, e feriado num domingo, veio trabalhar.

Veio trabalhar com gosto, lembrando que já estão superados os dias do verbo *tripaliare, do latim vulgar, com o sentido de "torturar", "fazer sofrer". Esse verbo, por sua vez, procede de tripalium, instrumento romano de tortura empregado contra quem não cumpria seus deveres. Que instrumento era esse?

Tripalium remete provavelmente ao adjetivo tripalis: "sustentado por três (tria) estacas (palus, 'estaca')". O supliciado era atado a esse tripé. Na realidade, quem trabalhava mesmo era o torturador, e não a vítima. A ele cabia o trabalho sujo. O que nos faz pensar em alguns chefes que sofrem ao cumprirem sua amarga missão...


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