“Caminhano e
cantano e seguino a canção...”
Para os puristas, senhores de uma
língua amordaçada por eles próprios, nada mais abjeto do que o emprego do
gerúndio nos termos em que essa forma nominal do verbo se encontra no título
acima. “Coisa de roceiro, de arraia-miúda, gentalha, ignorante... analfabeto”,
diriam os que vislumbram, na língua, a inércia. imersos em sua própria inércia,
eles se esquecem do sopro de vida que engrena a língua (todas as línguas) no
movimento do dizer, do comunicar.
Possivelmente, os tais puristas não
se deem conta de que a forma “não-padrão” do gerúndio, na qual a pronúncia
aponta uma supressão ou “apagamento” do fonema /d/ no final da palavra,
fundamenta-se num fenômeno fonético denominado assimilação. Nesse processo, o
fonema /d/ “cede” lugar ao /n/ (-nd- > -nn- > -n-: falando
> falanno > falano).
Desse
modo, o que se registra como “erro no português falado” (GERANO asco nos ditos
cultores de uma língua banhada em álcool em gel e longe de qualquer
contaminação do vírus do “falante analfabeto”), é, na verdade, efeito da
produção dos fonemas /d/ e /n/ numa mesma zona de articulação fonética, isto é,
eles são produzidos a partir do uso da ponta da língua em contato com os
alvéolos dentais incisivos superiores.
Portanto,
não há “erro” na pronúncia nem esse falar se constitui como um fenômeno de
determinada região ou se consolide como um uso típico de determinada classe
social menos privilegiada: é, sim, um fenômeno fonético-linguístico presente na
evolução das línguas derivadas do latim, e o português é uma língua neolatina.
Publicado no jornal O PODER, edição 74
Nenhum comentário:
Postar um comentário