sexta-feira, 19 de junho de 2020

NOSSA LÍNGUA: VEREDAS 01 - Assimilação no Gerúndio -nd- > -nn- > -n- >

“Caminhano e cantano e seguino a canção...”

            Para os puristas, senhores de uma língua amordaçada por eles próprios, nada mais abjeto do que o emprego do gerúndio nos termos em que essa forma nominal do verbo se encontra no título acima. “Coisa de roceiro, de arraia-miúda, gentalha, ignorante... analfabeto”, diriam os que vislumbram, na língua, a inércia. imersos em sua própria inércia, eles se esquecem do sopro de vida que engrena a língua (todas as línguas) no movimento do dizer, do comunicar.

            Possivelmente, os tais puristas não se deem conta de que a forma “não-padrão” do gerúndio, na qual a pronúncia aponta uma supressão ou “apagamento” do fonema /d/ no final da palavra, fundamenta-se num fenômeno fonético denominado assimilação. Nesse processo, o fonema /d/ “cede” lugar ao /n/ (-nd- > -nn- > -n-: falando > falanno > falano).

            Desse modo, o que se registra como “erro no português falado” (GERANO asco nos ditos cultores de uma língua banhada em álcool em gel e longe de qualquer contaminação do vírus do “falante analfabeto”), é, na verdade, efeito da produção dos fonemas /d/ e /n/ numa mesma zona de articulação fonética, isto é, eles são produzidos a partir do uso da ponta da língua em contato com os alvéolos dentais incisivos superiores.

Portanto, não há “erro” na pronúncia nem esse falar se constitui como um fenômeno de determinada região ou se consolide como um uso típico de determinada classe social menos privilegiada: é, sim, um fenômeno fonético-linguístico presente na evolução das línguas derivadas do latim, e o português é uma língua neolatina.

            A gente vai caminhano, cantano e seguino a canção por aqui...

Publicado no jornal O PODER, edição 74  

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